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HISTÓRIA DA FICÇÃO CIENTÍFICA - parte 1

texto retirado do site http://orbita.starmedia.com/~necrose/index1.html
as informações contidas no texto são de responsabilidade do autor

Voltando ao passado através da evolução da História da Literatura, poderemos notar que desde épocas remotas, muitas narrativas onde o enfoque fantasioso predomina, quer sob a forma de feitos sobre-humanos de coragem física, quer de raciocínios especulativos de cérebros privilegiados, quer, ainda, de acontecimentos insólitos.

Tal atração pode ser observada mesmo na infância, onde os contos de fadas e epopéias heróicas fazem parte do desenvolvimento de uma criança sadia. O fascínio pela mudança e pelo conhecimento é inato ao ser humano, que traz dentro de si um desejo, mais ou menos recalcado, de fugir à vida monótona de todos os dias. Ele aspira realizar, nem que seja só graças à imaginação, façanhas extraordinárias em que maravilhas se sucedam num ritmo tanto quanto possível alucinante.

Observando-se os mais variados níveis de civilização, pode-se perceber que a procura pelo fantástico é moldada em virtude de cada realidade, seguindo o condicionamento imperante, sofrendo por conta disso uma evolução bem demarcada. Em pleno paganismo, a ousadia levou os homens a imiscuírem os deuses em seus problemas, fazendo-os coniventes de suas ilusões. Juno (Hera), Mercúrio (Hermes), Marte (Ares), Vênus (Afrodite) e até o próprio Júpiter (Zeus) abandonaram o Olimpo e vieram bater-se em pé de igualdade com os seres mortais.

Embora como mero caráter acidental, podemos encontrar na grande maioria dos textos clássicos exemplos dos mais variados tipos de contos e lendas fantásticas sobre coisas completamente plausíveis no âmbito da imaginação. Recordando somente alguns dos episódios mais representativos, podemos apontar nos poemas homéricos uma prodigiosa libertação do mundo real, a existência do Monstro Briareu que tinha cem braços e a da Feiticeira Circe, capaz de transformar homens em Porcos. Temos Siegfried que se dispõe de um manto mágico que o torna invisível quando lhe apraz. As tragédias da antiguidade clássica, tal como, posteriormente, no teatro Shakespeareano, aparecem recheadas de espectros e fantasmas.

Fragmentos do Satiricon mostram que Petrônio já conhecia o mito do lobisomem. Os deuses de Valhalla, da Mitologia Nórdica, eram perseguidos pelo temor do ataque dos Trolls, que seria o dia do Juízo Final para os filhos de Odin. Pégasos, da Mitologia Grega, dispunha de asas que o permitiam voar, assim como Dédalo e seu filho Ícaro, que as tinham presas em seus corpos para voar da Ilha de Creta. Também temos o célebre cavalo de Ébano de O Livro das Mil e uma Noites, que voava graças a um mecanismo manobrado por alavancas complicadas.

Temos Dante Alighieri, que parlamenta com vivos e mortos na sua Divina Comédia em sua jornada pelo Inferno, Purgatório e Paraíso com seu guia Dionísio em busca de sua amada Beatriz. Por seu turno, Ariosto, em Orlando Furioso, descreve a viagem de um amigo à Lua a fim de devolver, dentro de uma ampola, o juízo perdido, pois é a Lua o destino de todas as coisas perdidas. Temos ainda o poeta-espadachin Cirano de Bergerac que encarna o "homem da Lua" que cai sobre as vielas escuras de uma Paris adormecida. O livro póstumo do famoso astrônomo alemão Johann Kepler, Somnium, especula sobre uma possível viagem à Lua em um aparelho impulsionado por demônios. Do mesmo modo, Nova Atlântida de Francis Bacon, com suas câmaras de ressonância, submarinos e aviões, constitui, sem dúvida, outra das numerosas manifestações embrionárias de ramos literários que o tempo acabaria por nos levar à Ficção Científica.

Detalhe da capa de um dos Livros da Série "Fundação" (Brasil - Ed. Hemus), um dos marcos da Ficção Científica do Mestre Isaac Asimov. Obra composta por uma série de contos organizados pelo autor, cobrindo séculos de história de uma Fundação de Cientistas criada e idealizada por um matemático, com o objetivo de fundar um novo Império Galáctico.

Carl Sagan, astrofísico americano falecido em 1996. Um dos responsáveis pelas Missões Viking e Voyager da NASA, ficou conhecido mundialmente com a fantástica série para TV de divulgação científica: "Cosmos". Escreveu vários livros e artigos sobre o homem e o espaço, tanto no âmbito físico como no metafísico. Deixou apenas um livro de Ficção Científica, "Contato", escrito em meados da década de 80, onde especula sobre os efeitos causados por uma mensagem alienígena interceptada por seres humanos, colocando em xeque temas como Religião, Política, Padrões Éticos, Culturais e Sociais (o livro deu origem ao filme homônimo de Robert Zemeckis em 1997).

É claro que não podemos delimitar o exato aparecimento de um ramo literário, mas podemos traçar um ponto que marque a sistematização de um tipo específico de literatura. Assim pode-se afirmar que o Policial começou com Edgar Alan Poe e a Ficção Científica com Julio Verne. Mesmo sabendo, por exemplo, que o primeiro enredo policial conhecido foi a fábula de Esopo O Leão Velho e a Raposa, e a primeira narrativa de Ficção Científica num texto, eminentemente jocoso, foi a História Verídica de Luciano de Samotrácia.

A Ficção Científica é resultado de um grande sincretismo de ramos literários. Uma delas é a Epopéia, que em muitas vezes exalta os efeitos heróicos em virtude do vigor físico, superando e desprezando as virtudes espirituais, tal como viria a suceder mais tarde, em maior ou menor escala, nos romances medievais de cavalaria. Mas estas proezas, criaram nos espíritos cultos a necessidade de uma espécie de "atordoamento" que não pudesse ser contrariado pelas simples observação da realidade. No ambiente muito favorável de fins do século XVIII até princípios do XIX, as supertições e as magias adquiriram um caráter intelectual e granjearam rapidamente adeptos de um horror cativante, propiciados por Horace Walpole e M. G. Lewis, na Grã-Bretanha, C. Boemi e Hoffmann, na Alemanha e por Jacques Cazotte e Bauldelaire, na França.

Eis criada a Literatura Fantástica, ou Sobrenatural, com as suas casas assombradas, os seus vampiros e as pavorosas noites de breu riscadas por relâmpagos deslumbrantes. Em pleno apogeu da Literatura Fantástica, Edgar Allan Poe apresentou O Duplo Crime da Rua Morge (1841), novela com a qual se iniciou a autonomia de outro ramo da Literatura de Emoção: Literatura Policial. Foi uma obra de grande importância para a popularização de um gênero cujos autores desafiavam temerariamente a inteligência de quem os lia, expondo com tato e sempre com lealdade as premissas de um silogismo onde a conclusão podia ser alcançada pelo leitor antes do respectivo detetive, desvendando o enigma proposto. Mas pouco mais de meio século depois, esta grande fase foi trocada, forçando os autores a ampliar o âmbito da Literatura Policial.

Tornou-se necessário escolher outro caminho. Após se imaginar combatendo sem glória nem proveito contra as Forças Ocultas e dominando, quer física quer intelectualmente, os elementos vivos que o circundam, o homem deixou-se imbuir por uma ambição ainda maior. Agora já não lhe basta especular sobre a vida natural, a vida conhecida, a vida em um planeta berço, pois o prazer que a maginação do autor poderia extrair, seria rudemente perturbado peloceticismo realista de qualquer observador destituído de senso poético. Logo foi preciso um cenário que não estaria comprometido com qualquer padrão estabelecido, mesmo a ciência.

Capa do livro "Estranho numa Terra Estranha" (Edição de 1976) do fantástico matemático e escritor Robert A. Heinlein, o maior vencedor de Prêmios Hugo e Nébula de todos os tempos. O livro é um dos Clássicos da Ficção Científica. Retrata a sociedade atual, com enfoque em seus preconceitos, padrões morais, éticos e religiosos, do ponto de vista de um marciano.

Ilustração do filme "Duna", de David Lynch (1982) baseado no livro homônimo de Frank Herbert(1920-1986). O livro escrito em 1965, vencedor dos Prêmios Hugo e Nébula, é o primeiro de uma série de 6 livros; uma das maiores sagas já escritas na História da Literatura Mundial. Na opinião do nosso Webmaster, o melhor romance de Ficção Científica de todos os tempos.

Assim sendo, temos a Ficção Científica, que possui um mister diferente dos outros ramos literários: a Ciência, que vive desatualizando-a.
O Real e o Possível entrechocam-se numa luta sem tréguas, pois os próprios jornais diários fazem pasmar o mundo com o relato de proezas tidas, até há pouco, como fixadas no domínio exclusivo da fantasia. Não é mesmo Dolly?

Apesar de relativamente nova, a Ficção Científica já possui ícones fundamentais na Literatura Mundial, tidos como obras de alta qualidade, reconhecida principalmente por grande parte dos intelectuais, poetas e novelistas não adeptos à esse estilo literário. Qual grande escritor teria coragem e base para criticar Aldous Huxley ou George Orwell ou Julio Verne ou ainda Ray Bradbury?

Talvez algum que tenha lido apenas os "pocket books" das "As Aventuras de Perry Rhodan" ou assistido a série de TV "Perdidos no Espaço" e conjecturou que se tratasse apenas disso. Num estudo sobre "Social Science Fiction", Isaac Asimov dividiu a história da Ficção Científica em três períodos: O primeiro estende-se desde os mais remotos e problemáticos percursores até o ano da publicação da revista Amazing Stories em 1926. É uma era amorfa, sem fronteiras precisas, descontínua, iluminada aqui e ali por esforços esporádicos e raramente conscientes.

O segundo, de 1926 a 1938, floresce a era "Gernsback". Proliferam as revistas de aventuras siderais e os "Comic Strips", umas e outras inteiramente dedicadas à manutenção do herói exagerado, viril e americano e à glória de raça humana(branca, como está bem de ver).

O terceiro, de 1938 até os dias atuais, assinala-se a consciencialização do gênero e o progressivo melhoramento de sua qualidade literária.

Voltamos a dizer que, se pesquisando os clássicos, encontramos obras de Kepler, Bacon, Thomas More e outros grandes nomes que, com freqüência, são tabelados como precursores e profetas. Sem negar valor a semelhantes tentativas, o certo é que, por carência de intenção ou por diversidade de intuição, não se lhes pode atribuir o caráter de esforço intencional, capaz de servir de pedra angular a um novo gênero literário. Por outro lado, em Julio Verne e H. G. Wells, nota-se já uma séria preocupação de lançar bases e definir fronteiras. Profundamente diferentes em métodos e fins, os dois escritores aperceberam-se nitidamente das possibilidades da "Antecipação". E, no entanto, Julio Verne mantém-se como um autor de romances de aventuras ("Viagem ao Centro da Terra"), e Wells, um escritor de preocupações sociais bem vincadas ("A Máquina do Tempo"). Julio Verne foi de grande influência na primeira geração de escritores. Já Wells, foi inspiração de John W. Campbell e seus pares a partir de 1938.

A moderna Ficção Científica não se automiza antes de 1926, ano em que Hugo Gernsback publicou o primeiro número de Amazing Stories. O sucesso foi tão grandioso, que apesar de todas as dificuldades, a publicação permanece até hoje, possuindo também uma série de televisão homônima. Vivia-se uma época de assombroso avanço da técnica (impulsionado pela disputa entre as nações industriais e as Grandes Guerras) e do avanço científico e tecnológico, que suplantavam em muito a maioria de fantasias imagináveis nos séculos anteriores. Tais avanços serviram de base inspiradora para uma geração de escritores, muitos com bases científicas. Isso acarretou modificações no público leitor, pois para alguns escritores, a Ficção Científica era a simples novelização de um fato ainda irrealizável, mas que a marcha ascensional da técnica deixava profetizar, com grande dose de certeza, para um futuro mais ou menos próximo. Alguns eram vítimas de cartas ferozes de leitores, que lapidavam o autor que cometesse o menor deslize técnico ou se baseasse nas fantasias mais duvidosas. Foi uma batalha dura no início, pois tamanha "camisa de força" atrofiava a imaginação dos autores.

Outras revistas apareceram e, com elas, sem deixar de constituir um gênero de características puramente populares, a Ficção Científica tomou novo rumo. Surgia assim a "Space Opera" ao mesmo nível do "western" barato e da história de "gangsters" ou de piratas, com o seu infindável cortejo de episódios truculentos em que o protagonista acabava por salvar o dia, mesmo que tivesse sido obrigado a empalar algum vilão ou a seduzir alguma mocinha com lindas madeixas loiras. Nunca a Ficção Científica chegou tão baixo; rastejava em quadrinhos mal desenhados, nos "comics strips" com que alguns jornais diários obsequiavam o leitor menos exigente nos seus suplementos dos domingos; enchia as colunas compactas dos "pulps", magazines de péssimo papel e impressão ordinária e vegetava nos "pocket books" de baixa edição.

Proliferaram os aventureiros do espaço que não tinham pouso certo e passavam a vida a combater os "tiranossauros de Fobos" ou os "homens-toupeira do Planeta Zong"; multiplicaram-se as belas Rainhas Brancas de visual "sadomazô". Tudo isto sem se preocupar se todas as formas de vida da galáxia estavam sendo exterminadas por "Raios Zeta". O herói, impecavelmente barbeado, hercúleo, loiro, americano, derrotava, invariavelmente, com um só dedo, as legiões de homúnculos e pigmeus amarelos verrugentos e encarnados que se lhe atravessavam no caminho.

Com tais ingredientes, a Ficção Científica era considerada, a justo título, alimento exclusivo de atrasados mentais e de adolescentes de fraca inteligência.

Cartaz promocional do filme "Flash Gordon" baseado nos antigos cartoons de mesmo nome que marcou gerações de fãs e escritores de Ficção Científica em todo o mundo.

Trechos das tiras diárias de "Flash Gordon", pesonagem criado na década de 30, durante a Depressão Americana. Junto com "Buck Rogers", foi uma das primeiras publicações de Ficção Científica em cartoons.

O Doutor em Bioquímica e escritor Isaac Asimov (1920-1992) é considerado por muitos o maior escritor de Ficção Científica de todos os tempos. Começou a carreira em 1938 escrevendo pequenos contos para a revista Astounding Stories de John Wood Campbell Jr.(1910-1971)-que se transformou numa espécie de tutor do jovem escritor. O conto "O Cair da Noite" foi seu primeiro grande sucesso e foi considerado por décadas o melhor conto de Ficção já escrito. Escreveu centenas de livros durante a vida, abordando temas que vão de Shakespeare, Grécia Antiga, A História de Roma, Livros de Ciência Infanto-juvenil, Histórias de Humor (Contos de Azazel e George), Mistério e Policial; todos com ótimos comentários da crítica e público. Mas foi na Ficção Científica que seu talento foi solidificado. Escreveu Clássicos como "Eu Robô", "Fundação", "Viagem Fantástica" (que teve algumas adaptações também para o Cinema), "O Homem Bicentenário" e "O Despertar dos Deuses". Foi também consultor científico no primeiro filme da série "Jornada nas Estrelas". Suas obras lhe renderam vários Prêmios Hugo e Nébula

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